16 de fev. de 2011

Princípio da Insignificância: entre o real e o imaginário

Uma discussão que me traz alguma preocupação é o limite da aplicação do princípio da insignificância em Direito Penal.
O que é insignificante? O Código Penal, ao estabelecer uma causa de diminuição de pena para os casos de furto de pequeno valor, estar a dizer, creio eu, que a subtração de coisa de valor pequeno ainda está abrangida pela proteção do art. 155. E então? O que seria crime de bagatela, qual o limite para diferenciar coisa de pequeno valor e coisa de valor insignificante?
O princípio da insignificância gera a atípicidade do fato “quando a lesão ao bem jurídico tutelado pela lei penal é de tal forma irrisória que não justifica a movimentação da máquina judiciária" Victor Gonçalves (2007). Na prática, no entanto, é o juiz quem define o que é insignificante aplicando o que determina o art. 335 do Código de Processo Civil, segundo o qual "em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum...".
Entendo que alargar demais o conceito de insignificância e assemelhá-lo ao de coisa de pequeno valor é gerar insegurança jurídica, dando a sensação de licitude e impunidade à subtração de coisas de valor pequeno.
Não que seja necessário aplicar a pena de privativa de liberdade, mas as penas alternativas dariam, a meu ver, conta do problema.
Vejamos agora, alguns julgados do STF sobre o assunto reunidos por Ristow de Oliveira, e percebam que até a corte superior demonstra dificuldade de definir e aplicar o princípio em análise:
1) HC 95174 / RJ
Caso: paciente subtraiu um passe de ônibus, utilizando-se de arma de brinquedo.
Decisão: "inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo (art. 157, CP), por se tratar de crime complexo, no qual o tipo penal tem como elemento constitutivo o fato de que a subtração de coisa móvel alheia ocorra ''mediante grave ameaça ou violência à pessoa'', a demonstrar que visa proteger não só o patrimônio, mas também a integridade pessoal". (...) 4. O regime inicial semi-aberto é adequado ao disposto no artigo 33, § 2°, II, do CP. Ordem denegada.
2) HC 94765 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: furto de bem de R$ 150.
Decisão: A lesão se revelou significante não apenas em razão do valor do bem subtraído, mas principalmente em virtude do concurso de três pessoas para a prática do crime (o paciente e dois adolescentes). De acordo com a conclusão objetiva do caso concreto, não foi mínima a ofensividade da conduta do agente, sendo reprovável o comportamento do paciente. 5. Compatibilidade entre as qualificadoras (CP, art. 155, § 4°) e o privilégio (CP, art. 155, § 2°), desde que não haja imposição apenas da pena de multa ao paciente. 6. Habeas corpus denegado. Concessão da ordem de ofício por outro fundamento.
3) HC-AgR 93388 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: furto de 2 sinaleiras dianteiras e uma antena de automóvel no valor de R$ 54.
Decisão: (...) No mérito, não cabe a aplicação do princípio da insignificância, eis que não demonstrada a presença de seus critérios objetivos. Agravo regimental provido tão-somente para reconhecer o equívoco na fundamentação que negou seguimento ao writ, denegando-se a ordem de habeas corpus.
4) HC 92743 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: tentativa de furto de 8 listas telefônicas, 59 lacres plásticos, 3 chaves de veículos, 1 rolo de fita adesiva, 1 controle remoto, um caderno, um estojo para fita VHS, 4 guias telefônicos, uma pasta de papelão, uma pasta de plástico e uma bicicleta.
Decisão: A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa, cautelosa e casuística. Devem estar presentes em cada caso, cumulativamente, requisitos de ordem objetiva: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. Hipótese em que a impetrante se limita a argumentar tão-somente com o valor do bem subtraído, sem demonstrar a presença dos demais requisitos. 2. A reparação do dano após a consumação do crime, ainda que antes do recebimento da denúncia, confere ao paciente somente a atenuação da pena; não a extinção da punibilidade. 3. A pretensão de que seja aplicado, por analogia, o disposto no art. 34 da Lei n. 9.249/95, visando à extinção da punibilidade em relação aos crimes descritos na Lei n. 8.137/90, não pode ser conhecida, porque não examinada pelo Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus conhecido, em parte, e denegada a ordem nessa extensão.
5) AI-AgR 691170 / MG - MINAS GERAIS
Caso: não disponível.
Decisão: I - O Tribunal a quo considerou que o valor do dano causado pelo agravante, apesar de pequeno, não poderia ser considerado como ínfimo. Ausente, portanto, um dos vetores concretos (inexpressividade da lesão jurídica provocada) a permitir a aplicação do princípio da insignificância ao caso concreto. II - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, pois, a Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental improvido.
6) HC 91065 / SP - SÃO PAULO
Caso: furto de R$ 162 de colega militar (art. 240 COM).
Decisão: A aplicação do princípio da insignificância há de ser feita criteriosa, cautelosa e casuística. 2. A quantia subtraída da vítima corresponde ao valor de seu soldo, valor destinado ao suprimento de suas necessidades. Daí não ser insignificante. 3. A reparação do dano após a consumação do crime, ainda que antes do recebimento da denúncia, confere ao paciente somente a atenuação da pena; não a extinção da punibilidade. Ordem indeferida.
7) HC 93768 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: Subtração de um carrinho de pedreiro e uma trena, totalizando R$ 45.
Decisão: reconhecimento do furto privilegiado, aplicação do disposto no § 2º do art. 155 do Código Penal.
8) HC 91919 / MS - MATO GROSSO DO SUL
Caso: Furto de instrumentos de trabalho de construção civil
Decisão: Inaplicabilidade do princípio da insignificância. A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica depende de que esta seja a tal ponto despicienda que não seja razoável a imposição da sanção. II - Mostra-se, todavia, cabível, na espécie, a aplicação do disposto no § 2º do art. 155 do Código Penal, tal qual sugerido pelo Ministério Público Federal. III - Ordem concedida de ofício.
Casos onde o princípio da insignificância foi reconhecido:
9) HC 92744 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: tentativa de subtrair bens em um supermercado que somavam R$ 86,50.
Decisão: 1. O princípio da insignificância deve ser aplicado de forma criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. O paciente tentou subtrair de um supermercado mercadorias de valores inexpressivos. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado ou à integridade da ordem social. Ordem deferida.
10) HC 94770 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: Furto de um violão no valor estimado em R$ 90.
Decisão: A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que adota São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. O paciente se apropriou de um violão cujo valor restou estimado em R$ 90.00 (noventa reais). O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado, bem assim à integridade da ordem social. Ordem deferida.
11) HC 94415 / RS - RIO GRANDE DO SUL
Caso: tentativa de furto de roupas avaliadas em R$ 65,00.
1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. A tentativa de furto de roupas avaliadas em míseros R$ 65,00 não pode, nem deve - se considerados os vetores que identificam o princípio da insignificância - merecer a tutela do direito penal. Este, mercê do princípio da intervenção mínima do Estado em matéria penal, há de ocupar-se de lesões significativas a bens jurídicos sob sua proteção. Ordem deferida.

Referências:
GONÇALVES, Victor E. R.. Direito Penal - Parte Geral, Ed. Saraiva, São Paulo: 2007
OLIVEIRA, Marcelo Ristow de. Direito Penal: o princípio da insignificância no STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2134, 5 maio 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12754>. Acesso em: 15 fev. 2011

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