25 de fev. de 2011

O Princípio da Autonomia e a Obstinação Terapêutica


Para realizarmos uma discussão sobre a relação entre o princípio da autonomia e a obstinação terapêutica, que são dois temas pulsantes nos estudos da Bioética, sentimos a necessidade de procedermos a um breve momento conceitual. Passamos, assim, a buscar um conceito de autonomia e um entendimento sobre obstinação terapêutica.
Inicialmente, detemo-nos sobre o princípio da autonomia podemos citar Stuart Mill (apud Lafer, 1991, p.72) que entendia que “[...] sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano.”. Todavia, a autonomia não é a livre disposição do seu corpo e mente, é preciso a agregação de outros elementos para que alguém possa dispor desta autonomia, requer que os sujeitos que irão dispor de seu modo de viver sejam capazes de realizar escolhas pessoais, e tê-las respeitadas. Assim, não basta que alguém decida algo sobre si, é preciso que tenha condições de fazê-lo de forma livre e consciente.
Já a obstinação terapêutica ocorre quando os profissionais de saúde ou os responsáveis por alguém que está com uma doença avançada insistem em usos continuados e persistentes de medidas que sustentem a vida do paciente, prolongando a manutenção dos sistemas vitais biológicos, retardando o diagnóstico de morte. A obstinação terapêutica  seria um quadro de futilidade médica, pois configuraria em tratamentos de pouca ou nenhuma utilidade. Débora Diniz (2006, p. 1742) entende que a prática da obstinação terapêutica “[...] é resultado de um ethos irrefletido das carreiras biomédicas. Os profissionais de saúde são socializados em um ethos que, erroneamente, associa a morte ao fracasso.”
Diante do princípio da autonomia, e da possibilidade de alguém com capacidade para o exercício desta recusar um tratamento, nos questionamos se a cessação de um tratamento invasivo que mantém a vida, mesmo sem uma perspectiva de cura, apenas para prolongá-la, não seria uma forma de eutanásia. Assim, também é necessário fazer uma diferença entre esta e a obstinação terapêutica. Na eutanásia (que etimologicamente significa boa-morte), diferente do que ocorre na obstinação terapêutica, a intervenção (que pode dar-se por uma ação ou uma omissão) é no sentido de produzir a morte.
A obstinação terapêutica, longe se ser um procedimento que traz benefícios, normalmente traz malefícios, com o prolongamento de um sofrimento inevitável por um prazo maior, a situação em comento não possui expectativa de cura, mas apenas de continuidade da tênue linha que nos mantém vivos, com procedimentos invasivos e muitas vezes doloridos, neste sentido, para alguns, estaríamos muito próximos de uma tortura. A decisão de interrupção destes tratamentos é um direito que assiste ao paciente e em caso de impossibilidade do exercício do princípio da autonomia aos seus responsáveis.
Mas uma questão é fundamental, e quando o princípio da autonomia determina a continuidade dos procedimentos para prolongação da vida fadada à um morte iminente? Este é o caso de um bebê britânico conhecido como "Baby OT", que aos nove meses de idade foi o centro de uma polêmica disputa judicial em seu país, ele era portador de um raro transtorno metabólico que afetou gravemente seu cérebro e causava problemas respiratórios, de acordo com os médicos a criança não tinha chance de recuperação, e sofria com muitas dores, mas seus pais insistam em manter os procedimentos que o mantinha vivo. O caso chegou à justiça e um juiz determinou, mesmo contra a vontade dos pais, que não deveria continuar os procedimentos que mantinham a criança viva.[1]
Neste caso estamos diante do conflito entre a não realização da obstinação terapêutica e o princípio da autonomia. É certo que a decisão no caso narrado foi dos pais, mas se ocorrer de alguém decidir por manter-se em procedimentos que prolonguem a vida de forma indeterminada (sem expectativas de cura e com grave sofrimento físico, além de custos elevados), seria justo, principalmente se estiver ocupando leitos de hospitais tão raros e necessários em nosso país?
O limite da atuação médica e seu poder de decisão ainda é um terreno movediço, onde exageros e omissões são freqüentes. É certo que o médico deve tudo fazer que está a seu alcance para manter a vida, mas um vida com esperança de cura, e de fornecer tratamentos terapêuticos tornando mais confortável a sobrevida daqueles que já não tem esta esperança, mas torturar o paciente com o único fim de acrescentar dias a sua vida sofrida não é eticamente aceito e vai de encontro à sacralidade da vida.
Referências
LAFER Celso, O liberalismo de Stuart Mill. In: ______. Ensaios Liberais, São Paulo: Siciliano, 1991, p. 62-73
DINIZ, Débora. Quando a morte é um ato de cuidado: obstinação terapêutica em crianças. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(8): 1741-1748, ago 2006.


[1]  Reportagem disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1052671-5602,00.html m> Acesso em 20 jun 2009.

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