8 de jul. de 2021

Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola

    

 



Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola


Profª Drª Adriana Borges Ferro Moura

Resumo 

Este pequeno ensaio foi construído para mediação de uma roda de conversa "Conversando sobre Educação, Olhares Plurais", fundada em um projeto de extensão da Universidade Estadual do Piauí, no intuito de propiciar reflexões iniciais sobre o tema "Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola”. Seu objetivo versa sobre discutir a importância da afetividade no espaço escolar e o papel dos docentes neste contexto. Para conduzir o processo reflexivo foi proposto três momentos. Inicialmente, compreender o conceito de afetividade, em seguida discutir a escola como lócus de afeto, para em seguida analisar o papel do docente em todo esse contexto. A escola é espaço de afeto e o professor é o agente que possibilita a vivência de momentos significativos de afetividade e ternura.

Palavras-chave: Afetividade;  docência afetiva; afeto na escola.

PARA COMEÇO DE CONVERSA

    Iniciar uma conversa sobre afetividade, por si só já não nos deixa inerte, emoções saltam diante do texto, expectativas são criadas, pois a palavra afeto nos leva a recantos escondidos das nossas memórias, e isso é um primeiro sinal que a afetividade tem um espaço significativo no nosso viver.

    E, como primeiro momento das nossas reflexões, vou propor um pequeno exercício a você, leitor: relembre sua vida escolar e seus professores. Nesse percurso houve situações em que você gostava muito de uma disciplina e perdeu o interesse por conta de sua professora ou professor? E o contrário já aconteceu? Houve situações que aquela matéria que era um desafio se tornou mais amena em razão do relacionamento com a/o docente da disciplina? Acredito que, se não as duas, pelo menos uma dessas situações já foi vivenciada por você. A professora ou professor pode ser muro ou ponte no processo de aprendizagem da sua aluna ou do seu aluno, aproximando ou, por vezes impedindo e/ou dificultando muito o acesso ao conhecimento.

    A grande influência da concepção dualista da pessoa humana pode ser a responsável por pensarmos pouco sobre as influências das relações e emoções no contexto escolar, uma vez que a afetividade, nesse cenário, faz parte da dimensão anímica, que não poderia fazer parte dos estudos acadêmicos.

    Todavia, atualmente não é mais possível pensar a pessoa como alguém partido em dois, ou é razão ou é emoção. A possibilidade de compreender que somos um todo e que a cognição e a afetividade não podem ser divididas ao se discutir a constituição humana emergiu dos estudos sobre a concepção monista do homem, em outras palavras, cada um de nós é um ser inteiro, formado por razão e emoção sendo que os limites entre essas duas dimensões não são precisos, ao contrário, há influência significativa entre uma e outra.

    Neste pequeno ensaio refletimos sobre afetividade e prática docente, uma vez que compreendemos como Leite (2012, p. 356), que a mediação pedagógica "[...] é de natureza afetiva e, dependendo da forma como é desenvolvida, produz impactos afetivos, positivos ou negativos, na relação que se estabelece entre os alunos e os diversos conteúdos escolares desenvolvidos.". Você já refletiu sobre sua prática docente nesse contexto? Já pensou se se comporta mais como ponte ou como muro para as alunas e os alunos que lhes são confiados? Vamos pensar um pouco mais sobre tudo isso.

O QUE É MESMO AFETIVIDADE?

    Como já mencionamos, a palavra afetividade carrega consigo um significado que transborda o aspecto meramente denotativo, e consegue permear o imaginário com sensações e emoções pelo simples fato de ser mencionada.

    Afeto e ternura são expressões que aquecem primeiro nosso coração, antes mesmo de serem decodificadas por nosso cérebro. Mas a proposta nesta seção é definir ou desenvolver um conceito que seja possível ser acolhido no âmbito educacional. O que é afetividade, quando estamos discutindo o espaço educacional?

    Maria Augusta Rossini (2004) compreende que para o desenvolvimento da afetividade há que se desenvolver um trabalho baseado em três alicerces: limites, mitos do cotidiano e ritmos.

    Os limites são colocados como o primeiro ponto do desenvolvimento da afetividade, o que pode causar espanto, uma vez que estabelecer limites é tido como algo ruim ou repressivo, mas não precisa ser assim. Ser afetuoso é ser também  responsável com o estabelecimento de espaços possíveis. E a permissividade nada tem a ver com ternura. Atualmente é um desafio a imposição de limites uma vez que as transformações sociais e familiares facilitaram a ruptura nos padrões antes existentes, gerando uma conseqüente perda de referenciais e induzindo a modificações nas relações, metas e valores educacionais (WALGNER et al, 2005). Mas é um desafio que precisa ser enfrentado, uma vez que é essencial para o saudável desenvolvimento da criança e também para o estabelecimento de um relacionamento adequado, com o reconhecimento do papel da professora e do professor em sala de aula.

E os mitos do cotidiano? o que Maria Augusta Rossini (2004) quer nos ensinar sobre isso? Para a autora "os mitos são tradições, às vezes lendárias ou não, que explicam ou ilustram os principais acontecimentos da vida" (ROSSINI, 2004, p. 41). E trazendo isso para o ambiente escolar, quais seriam os mitos do cotidiano dos estudantes? O bom professor? O professor ou professora "bonzinho"? A escola como local de sofrimento? Certa vez, assistindo a um programa de Televisão, vi uma repórter perguntar a uma criança qual a hora que ela mais gostava na escola, a sua resposta foi imediata e muito espontânea: "a hora que eu mais gosto na escola é a hora de ir embora." Há mitos/tradições que precisam ser desconstruídos e reconstruídos para criar um ambiente saudável para o desenvolvimento de afetos. A escola como local de felicidade é um percurso a ser perseguido, e não apenas para os estudantes, mas para toda comunidade escolar, todos que vivenciam o chão da escola.

    O terceiro alicerce da felicidade, segundo Rossini (2004) são os ritmos. O estabelecimento de ritmos e rotinas diárias (ritmos externos), proporciona conforto, equilíbrio e segurança, contribuindo assim para o desenvolvimento sadio da afetividade. Mas, também o entendimento que cada criança é única e possui seus próprios ritmos de aprendizagem (ritmo interno) é importante e salutar.

    Nesse sentido, após passarmos pela reflexão dos pressupostos da saudável relação de afeto, voltamos a pensar sobre a definição de afetividade. Para isso tomamos os ensinamentos de Wallon (1996) que entende que o termo afetividade refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis, assim, incialmente afetividade não é necessariamente uma sensação positiva, pode ter algo que nos afete e que tenha um lado negativo.
    Tomando para o contexto da aprendizagem, lembramos de Larrosa Bondia (2002) quando leciona sobre saber da experiência: "[...] experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca." (BONDIA, 2002, p. 21), assim o conhecimento passa pelo processo de sensibilização, de afetação. Essa seria a forma de discutir a afetividade tomada em seu sentido mais amplo como nos ensina Wallon (1996).

    Todavia, para nosso estudo, pensamos em restringir a concepção de afetividade para seu sentido mais estrito, que se relaciona com boas experiências, emoções e sensações que se tornam lembranças positivas e que se ligam a ternura e carinho. Assim afetividade para esse estudo, e para a compreensão de ensino e aprendizagem afetivas que discutimos, são os atos, os sentimentos, as emoções positivas, que geram boas lembranças de ternura e carinho, e que se constitui em ponte entre ação de ensinar do professor e a de aprender do estudante.
    Encontrando uma definição para o termo afetividade, passamos então a pensar a escola como espaço de afetos.

ESCOLA COMO ESPAÇO DE AFETO

    Muitos são os espaços em que é possível a construção de relações e experiências de afetividade. Há aqueles em que essa construção é certa, se tomamos a acepção de afetividade mais ampla trazida por Wallon (1996), entendendo que o que nos afeta pode ser bom ou ruim, são locais como a família, a escola, a igreja, a vizinhança, e mais modernamente a internet, entre outros. Mas, ao mesmo tempo, não é certo que esses mesmo espaços possam ser apontados como espaço de afetividade se tomarmos a acepção mais restrita, de uma afetividade como emoções positivas.

    Como, então, a escola pode ser um espaço de afeto? Um local onde toda comunidade escolar possa vivenciar momentos de afetividade? Primeiro é preciso compreender que ser um lócus de afetividade, não significa que não existirão momentos ruins, pois a oscilação de situações boas e situações não tão boas faz parte da vivência humana, mas ao final, nosso questionamento é se a escola deixará boas lembranças para os que ali passarem.

Para pensar sobre isso Sérgio Leite (2012) inicialmente nos diz que:

Um dos desafios teóricos que se colocaram, quando começamos a estudar a dimensão afetiva, foi entender as razões pelas quais este conceito permaneceu historicamente periférico nas relações de ensino e aprendizagem, embora sua importância não tenha sido negada pelas tradicionais teorias psicológicas. (LEITE, 2012, p. 356)

    E o autor credita esse tratamento periférico à predominância secular da concepção dualista da pessoa, que seria seccionada em razão e emoção, sendo que essas duas dimensões não se confundiriam, nem mesmo haveria intersecção entre elas. Assim, os afetos, como parte da dimensão anímica, não poderiam ser objetos de estudos científicos, e por essa mesma razão, não poderia estar no ambiente escolar, que seria um ambiente de desenvolvimento intelectual, com prevalência da razão.

    Mas essa compreensão cingida entre os campos da emoção e da razão leva ao entendimento que o ser humano é um ente que ora pensa, ora sente, não havendo vínculos ou relações determinantes entre essas duas dimensões. (LEITE, 2012). Além dessa percepção partida, havia ainda o entendimento prevalente que a razão era hierarquicamente superior a emoção.

    Aos poucos, no entanto, foi surgindo a compreensão de que a pessoa humana é um todo único, que    incorpora várias dimensões que se confundem, se interseccionam e se amoldam, e dando lugar à concepção monista do ser humano. Assim, razão e emoção, mente e espírito são reconhecidas como dimensões indissociáveis da condição humana.

    O reconhecimento da dimensão monista chegou à escola, que não pode mais entender que dentro dos seus muros as relações que ocorrem são apenas intelectuais. Ao contrário, na escola há fenômenos que visibilizam a emoção em seus espaços, como o bullying, a indisciplina, as dificuldades de aprendizagem.
A escola é um espaço de afeto, espaço em que sujeitos se relacionam e que há conflitos e trocas plurais. É um espaço em que crianças são formadas e socializadas, e não é possível a compreensão que isso só ocorre no âmbito intelectual. Ao contrário, é na escola que por vezes a criança encontra acolhimento, mas muitas vezes é lá também que ela é rejeitada e experimenta pela primeira vez o preconceito.

    Reconhecer a escola como um espaço de afeto é muito importante, para que se possa preparar a comunidade escolar no sentido de que a formação ali proposta deve contemplar o indivíduo como um todo, em todas as suas dimensões. Mas, falar de afetividade na escola implica, necessariamente, em pensar no papel de um dos seus protagonistas, o professor e a professora. 

DOCÊNCIA E AFETIVIDADE

    Gabriel Chalita, em seu livro 'Educação a solução está no afeto' contribui para nossas reflexões ao trazer um questionamento sobre a possibilidade da substituição dos professores por computadores:

Há quem afirme que o computador irá substituir o professor, que nesta era, em que a informação chega de muitas maneiras, o professor perdeu a sua importância. O computador nunca irá substituir o professor. Por mais evoluída que seja a máquina, por mais que a robótica profetize evoluções fantásticas, há um dado que não pode ser desconsiderado. A máquina reflete e não é capaz de dar afeto, de passar emoção, de vibrar com a conquista de cada aluno. Isso é um privilégio humano. (CHALITA, 2001, p. 163-164)

    De fato, se antes o conhecimento, dentro da escola estava centrado quase que exclusivamente no docente e nas suas escolhas, hoje, na era da informação, aprender sobre qualquer assunto está ao alcance de um clique, e literalmente o universo está na palma da mão, por meio de aparelhos eletrônicos e celulares.
    Mas há algo que apenas no professor é possível encontrar, o afeto. E por meio do afeto, esse profissional pode construir pontes para o conhecimento, pode conduzir seus alunos por caminhos mais seguros, dentre tantos colocados à sua disposição. O professor mudou de papel, hoje ele não é mais o oráculo, detentor de todas as respostas, que fica inerte à espera dos que estão na escuridão. Ao contrário, é guia, que toma pela mão, que cuida e protege.

    Para Gil, na sala de aula os professores e estudantes encontram espaço privilegiado para "[...] satisfação de muitas de suas necessidades, sobretudo das sociais de estima."(GIL, 2010, p. 57). Então qual o papel do professor hoje dentro da escola, como comunidade de afeto? O professor deixa de ser apenas o responsável pelo processo de ensino formal, e passa ter para si a atribuição de desenvolver e velar por relações sadias de afeto que propiciem o desenvolvimento de ambiente de aprendizagem para o aluno.

    Mas é importante saber que a/o docente não precisa deixar de ser professor para se tornar "amigo" do seu aluno. Vou contar algo pessoal para vocês. Quando meus filhos eram pequenos, ouvia muitas das minhas amigas falando que gostariam ser amigas dos seus filhos, talvez para se afastar da ideia de pais autoritários, muito presentes na infância da minha geração. Mas, eu sempre retrucava dizendo: “Por minha vez, eu não quero ser amiga dos meus filhos! Na verdade, eu quero e sou mãe deles, pois vai haver momentos de risos e cumplicidade, mas vão existir situações que minha vontade terá que prevalecer como adulta e como pessoa que tem a responsabilidade de educá-los”.

    Entendo que a relação do professor com seus alunos é muito parecida com essa situação. O professor não é chamado para ser melhor amigo do seus alunos, pois uma relação de amizade requer mais cumplicidade que autoridade formativa, mas a sua competência é ser docente, e ser docente envolve a cumplicidade que ocorre na amizade, mas há muito mais, há autoridade de se reconhecer que o professor tem a condução do processo de ensino.

    Nossa proposta é que o professor seja um docente de afeto. Que ele/ela reconheça seu papel dentro da sala de aula, mas que faça sua lida diária com ternura, com sensibilidade e com o reconhecimento que cada um dos seus alunos são sujeitos históricos, que têm um percurso até o dia que chega a sala de aula.

NOTAS CONCLUSIVAS

    Chegando ao final dessas breves ponderações sobre afetividade e escola, que tem a intenção de nos inquietar e nos tirar do espaço de conforto que estamos, podemos retomar às questões propostas lá no início: Você já refletiu sobre sua prática docente nesse contexto? Já pensou se comporta-se mais como ponte ou como muro para as alunas e os alunos que lhes são confiados? 

    Não podemos insistir em reconhecer a escola apenas como lócus de formação intelectual. Pois é certo que todos os que compõem a comunidade escolar, e não apenas os alunos, encontram no ambiente escolar espaço de formação plural, que é intelectual, mas também é emocional, espiritual, artístico.

    O ser humano é um todo formado por várias dimensões que não podem ser dissociadas, mas que convivem e interferem uma na outra. Cada professor, cada aluno, cada gestor educacional e cada funcionário da escola traz consigo vivências emocionais que se relacionam e podem ser muros ou pontes para o processo de ensino-aprendizagem.

    Nossa proposta? Vamos ser construtores de pontes? Agentes de afetividade?


Com afeto🌻

REFERÊNCIAS
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002.

CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. Editora Gente, 2001.

GIL, Antonio C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2010.

LEITE, Sérgio A. S. Afetividade nas práticas pedagógicas. Temas em psicologia, v. 20, n. 2, p. 355-368, 2012.

ROSSINI, Maria A. S. Pedagogia da afetividade. Petrópolis, Rj: Vozes, 2004.

WAGNER, Adriana et al. Compartilhar tarefas? Papéis e funções de pai e mãe na família contemporânea. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 21, n. 2, p. 181-186, 2005.

WALLON, Henri. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1981.

8 de mar. de 2021

Uma Reflexão sobre Saúde e Cultura

Ao constatarmos que estamos findando a primeira década do século XXI, que nasceu sob o signo do desenvolvimento cultural e tecnológico, custa-nos acreditar o quanto os aspectos culturais, notadamente os ligados aos preconceitos e ritos, ainda influenciam o imaginário de nosso povo. E esta realidade é muito nítida quando nos deparamos com as causas e curas das doenças que assolam o mundo moderno.

O livro de Susan Sontag, “Doença como Metáfora”, traz, em um texto de leitura fácil, a constatação desta realidade que, apesar de ser muito antiga, ainda é presente nos dias atuais, como restou provado pela comparação que a autora fez  entre a tuberculose e o câncer e o significado que cada uma destas doenças recebeu nas sociedades em que elas ocorreram de forma mais intensa.

Não é incomum, a origem do câncer ser atribuída a problemas de ordem emocional, isto fica muito claro, por exemplo, quando lemos o depoimento do ex-deputado federal Clodovil Hernandes, morto em março de 2009, que afirmou em sua última entrevista à revista “Quem” em 11 de março de 2007: “Câncer não é um castigo, fui eu mesmo que o coloquei em mim. Passei tanto tempo me sentindo culpado por ser homossexual, que isso foi crescendo dentro de mim.”.

Assim, muitas vezes as causas das doenças são atribuídas aos próprios pacientes, em um processo que Sontag chama de punitivo, uma vez que quando a sociedade dá um sentido à alguma doença é, normalmente, de cunho moralista, atribuindo a culpa pelo adoecimento ao próprio paciente. Por vezes, diante do diagnóstico de uma doença terminal, espera-se que o paciente tenha uma reação de superação, positiva diante da sentença que está sendo dada, isto é festejado e até, subliminarmente indicado. E, quando não ocorre assim, qualquer agravamento do estado de saúde é atribuído ao fator emocional, à impossibilidade do doente aceitar ou conviver com o diagnóstico.

Por outro lado, há o pensamento, não raro entre nós, que a fé e a auto-estima elevada podem contribuir, e às vezes até promover, a cura de doenças. Uma perspectiva, que de todo, não é ruim, uma vez que a esperança é sempre um motor para o doente, mas que pode levar alguns a desprezar as indicações médicas por se considerarem erroneamente curados, e, assim, abandonando os tratamentos adequados. Mais grave ainda é quando a cura esperada não vem e isto é atribuído à falta de fé, a não ser merecedor, ou ser um castigo divino. O que leva o doente a uma situação de maior vulnerabilidade ainda.

Considerando sobre esses aspectos, tanto a origem da enfermidade quanto a sua cura, passariam pelas mãos do enfermo. Desta maneira, ele teria o dom de adoecer e curar-se. Com este raciocínio, levamos os que se encontram doentes a uma situação de sentirem-se, muitas vezes, incapazes de promover seu próprio restabelecimento.

A doença, na sociedade humana, não é apenas um estado fisiológico, uma disfunção orgânica ou o ataque de agentes patológicos, mas é muito mais. Envolve o conceito de estima, de sensibilidade, de vulnerabilidade. Assim o enfermo, além de ver-se envolvido com exames, dores, remédios e limitações físicas, ainda tem a seu desfavor a obrigação pela busca interna por melhora física e emocional, e a culpa de ter, de uma maneira ou de outra, desencadeado um processo de auto-sabotagem.

Não estamos pregando que o conforto da fé, o estímulo ao bem-estar emocional e a busca da superação psicológica do doente devam desaparecer, mas parece-nos até desumano que certos fatores de causa e cura das doenças caiam sobre os ombros dos que as portam.

Em um momento em que vivemos a valorização dos direitos à dignidade humana, e buscamos a melhoria de vida das pessoas em um Estado democrático e plural, os portadores de doenças devem ser protegidos, e minimizados, tanto os danos gerados por fatores decorrentes da doença da qual são vítimas, quanto os danos ocasionados pela representação social que a mesma gera.

 (Escrito para o Curso de Especialização em Bioética e Direitos Humanos em maio de 2009)

 

Referências:

SONTAG, Susan. Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984

Revista Quem, de 11 de março de 2007.

Discurso de Paraninfa (Profa. Adriana Ferro)

 E hoje é o dia da Colação de grau dos meus primeiros afilhados do curso de Pedagogia. Ser paraninfa é uma honra e uma responsabilidade muit...