5 de jun. de 2024

DISCURSO DE POSSE NA APLJ


Dia 04 de junho de 2024 fui agraciada com a posse na Academia Piauiense de Letras Jurídicas, para ocupar a cadeira de número 27, que tem como patrono o Dr. Nicanor Barreto. Partilho com todos vocês a minha fala naquele momento tão significativo.


 DISCURSO DE POSSE APLJ



Ilmo. Sr. vice- presidente da APLJ, Desembargador Oton Mário José Lustosa Torres, nesta ocasião representando o Presidente desta academia, Prof. Dr.  Nelson Juliano Cardoso Matos, Muito querido prof. Marcelino Leal Barros de Carvalho, Secretário da APLJ, meu professor e orientador de toda uma vida acadêmica, queridíssima professora Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Omatti, Presidente da APL e membro da APLJ, Caríssimo Dr. Nazareno César Moreira Reis, que me ladeia na honra de dividir esse momento ímpar. Caríssimos membros da APLJ aqui presentes, que representam a intelectualidade jurídica do nosso estado. Demais autoridades presentes e nomeadas no início dessa solenidade. Queridos amigos e familiares. BOA NOITE.


Ao me deter diante do computador para escrever esse discurso de posse uma série de sentimentos me invadem: alegria, honra, saudade, sensação de estar percorrendo um caminho seguro e correto, que me permitiu, chegar a esse momento. Um caminho que começou há muito tempo, mas que espero ainda tenha muita estrada pela frente. 

Se o tempo voltasse como em um processo de retrospectiva e pudéssemos ser como espectadores de um filme por meio de um projetor cinematográfico antigo de acionamento manual, talvez encontrássemos as imagens de uma menininha, em uma tarde ensolarada e quente de Teresina, com sua bonecas enfileiradas e sua irmã mais nova sentadinha em sua frente para emular uma sala de aula. Uma menininha que sempre respirou a docência, mas não tinha ideia, naquele tempo, a dimensão que esse mister assumiria em sua vida.

Talvez por inspiração em sua mãe, Amparo, professora, que foi aluna da escola Normal e docente desde sua mais juventude, desde antes do nascimento daquela menininha, e olhe que as duas se encontraram pela primeira vez, quando Amparo tinha 22 anos. Uma mãe, uma esposa, uma irmã, uma filha, mas sempre uma professora, e depois, essa mãe, se tornou exemplo de pesquisadora, reconhecida em seu meio, tanto nacional quanto internacionalmente, e seu esforço de estudo ensinou a menininha, e depois a adolescente e a jovem que ela se tornaria, que sempre é tempo de estudar e buscar seus sonhos.

Talvez ainda, a docência tenha se entranhado no coração infantil da menininha, por olhar a ética de trabalho e estudo de seu pai, Geraldo Ferro, que lhe deu o sobrenome que carregou e carrega com muito zelo e orgulho, ele também professor, é formador de gerações e gerações de engenheiro civis pela Universidade Federal do Piauí. O primeiro de toda a família a buscar a formação a nível stricto sensu , sendo depois acompanhado por sua esposa e todos os seus filhos, inclusive aquela menininha.

Assim a docência era certa, mas a docência jurídica só a alcançaria muito anos depois, daquela tarde em Teresina, com sua irmã e suas bonecas. Ela chegou em uma sala de aula da disciplina de Direito Penal, ministrada por um professor que foi, a partir de então, uma inspiração para a jovem acadêmica de direito. A leveza da aula e o rigor acadêmico eram marcas desse professor se tornou seu orientador na iniciação científica, na monitoria (por três vezes) da disciplina de direito penal, e depois seu paradigma de gestor humano e cordial. Esse professor entrou na vida acadêmica da jovem, mas não ficou só lá, se tornou padrinho de casamento, ouvido atento para as angústias e preocupações da profissional iniciante e um amigo que ela traz até hoje em um lugar especial em seu coração. Quem era esse professor? o professor Marcelino.

A jovem acadêmica formou-se e se tornou professora de Direito, e como não podia deixar de ser, professora de Direito Penal. E foi como professora, e como gestora acadêmica, que pela primeira vez foi apresentada ao Dr. Nicanor Barreto de Vasconcelos, patrono da cadeira 27, para a qual teve a honra de ser eleita pelos membros da Academia.

Saindo um pouco da nossa viagem em retrospectiva, passo agora a contar uma história para todos vocês.

Mas antes gostaria de fazer uma reflexão auxiliada por Guimarães Rosa, que colocou na boca de Riobaldo uma preocupação de todo narrador: 

Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, e se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos.

(Guimarães Rosa)

Este ano, 2024, completo 28 anos de docência jurídica, 28 anos ajudando no processo de formação de profissionais que fazem do Direito seu campo de luta e trabalho. E durante todo esse tempo, por todas as gerações que passaram pela minha sala de aula, vi jovens idealistas se tornarem excelentes profissionais, vi a mudança do perfil dos alunos, a mudança de ideais, vi vitórias e conquistas, nem tudo foi êxito, isso é certo, mas o saldo é relevantemente mais positivo que negativo.

Mas houve um marco definitivo na minha carreira profissional, uma visita que mudou a minha vida. O ano era 2002, e o mês era novembro, o prof. Marcelino me convidou para uma conversa na sala que ocupava como coordenador do Curso de Direito, no Instituto Camillo Filho. A pauta da conversa era meu processo formativo, queria ter notícias de como andava meus estudos pós faculdade. Quando eu entrei na sala, ele sorriu e deu-se conta que eu estava no final da minha segunda gestação, e seria mãe do terceiro filho, pois Rafael e Gabriel já tinham nascido quatro anos antes e agora estava à espera do Miguel. A conversa fluiu leve, como sempre são nossas conversas intermináveis.  E foi quando o prof. Charles Silveira entrou na sala. Professor Charles foi reitor na UFPI, na década de 90, quando eu era estudante, ele era o Diretor Geral do Instituto Camillo Filho e também minha referência no ensino de Direito Penal, juntamente com o prof. Marcelino, tanto que não nutria a esperança de atuar nos quadros docentes daquela instituição, por minha disciplina já ter dois dos mais renomados penalistas do Piauí. Com os dois na sala o motivo do convite para minha visita ao ICF foi revelado, o convite para ser Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica. E o nome do NPJ foi Núcleo de Prática Jurídica Adv. Nicanor Barreto. O núcleo passou a funcionar no endereço onde foi sediada a casa desse ilustre jurista, quando veio morar pela segunda vez em Teresina, vindo de Fortaleza, no final do ano de 1966.

A vida do Dr. Nicanor Barreto de Vasconcelos, ou simplesmente Dr. Nicanor Barreto deveria ser conhecida por todos aqueles que desejam ler sobre vidas inspiradoras. O acesso a sua história não foi simples, mas tive a ventura de ter a ajuda de uma dos seus filhos, também Confrade dessa Academia, Dr. Filadelfo Barreto, que me permitiu acesso às Notas sobre a vida de seu pai, escritas, no ano de 2022, para auxiliar uma aluna do ensino fundamental teresinenese, que precisando fazer um trabalho escolar, tinha que escrever sobre o personagem que deu nome a sua rua, no caso a Av. Nicanor Barreto. E por esses escritos, vindos das memórias e do olhar filial tive acesso a vida de um homem excepcional.

Nicanor nasceu em Fortaleza, em 27 de novembro de 1916, filho de Manoel Correia de Vasconcelos, oficial do Exército, e de Petronila Barreto de Vasconcelos. Casou-se com Aglaé Fiuza Chagas e juntos tiveram 10 filhos, cinco meninas e cinco meninos: Elas são: Euterpe, Caliope, Helade, Marcilia, Adriana, e eles: Nicanor Filho, Francisco, Demócrito, Filadelfo e Leão Marcelo. Faleceu em Teresina, no dia 07 de agosto de 1993.

Um homem a frente do seu tempo, com determinação para estudar, pois buscou sempre se qualificar, submetendo-se inclusive a estudar o que na prática já era professor, tanto "que diversos professores pediram a Nicanor que desse as aulas no lugar deles, criando uma situação no mínimo esquisita: o aluno dava aulas e o professor assistia." (Barreto, 2002).

Entrou na faculdade de Direito já pai de família e quando concluiu o curso, no final da década de 1950, tinha sete filhos, estando a caminho a oitava. A busca pela qualificação marcou sua vida acadêmica, não se deixando parar pelo curso do tempo, mas entendendo em cada oportunidade a vivência suave do aprendizado.

Foi empresário, contador e advogado. Fundou a Centro eletro em Teresina, quando em sua primeira temporada morando na capital Piauiense, e quando residiu em Fortaleza, com o propósito de ofertar oportunidades melhores de estudos a seus filhos, montou uma cutelaria, que prosperou, e incentivou Dr. Nicanor a dar voos mais usados, investir suas economias em mercadorias vindas da Alemanha, que por infortunuo do destino malogrou de afundar a caminho do Brasil, gerando a necessidade de ter que recomeçar. E o local escolhido para recomeçar foi novamente Teresina, determinando a mudança da família Barreto para morar naquela casa aprazível, que mencionei e  que futuramente seria o Núcleo de Prática Jurídica, onde eu trabalharia durante longos e felizes anos.

Nicanor Barreto também participou diretamente da criação, instalação e organização de tudo quanto tem nome de PISA: Cepisa, Fripisa, Agespisa, Telepisa, além de outras de nomes diferentes. Acompanhou como assessor da Cepisa todo o período de implantação da rede elétrica em postes de concreto, no primeiro Governo de Alberto Silva. Coordenou a absorção do sistema de telecomunicações do Piauí pela Embratel e, afinal, acompanhou essas empresas por longo tempo. (Barreto, 2022)

Como advogado, dedicou-se  à advocacia empresarial, assessorando grande número das empresas que existiam na época. 

Durante mais de vinte anos foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, no Piauí. É autor de estudos e do texto final de Provimento aprovado pelo Conselho Federal da OAB, regulando a transferência de Advogados de um Estado para outro.

Foi o principal responsável pela construção da sede da OAB, neste lugar onde ainda hoje ela está. Conduziu e organizou durante longo tempo e com muito trabalho, a Caixa de Assistência dos Advogados do Piauí. Em reconhecimento deste trabalho, o prédio sede da Caixa recebeu seu nome: Nicanor Barreto. (Barreto, 2022)

Muito me honra a oportunidade de ser a primeira ocupante da cadeira que tem o Dr. Nicanor Barreto como patrono, e algumas coincidências me alegram ainda mais o coração, ter o mesmo nome que uma de suas filhas, por exemplo, e ter estudado no mesmo colégio que o viu obter a sua formação em nível de ensino médio, o colégio Diocesano. 

Uma mulher ocupar pela primeira vez a cadeira que o Dr. Nicanor Barreto é patrono, é muito significativo, uma vez que ele permitiu que suas filhas voassem em igual intensidade que seus filhos, uma forma de pensar não muito comum entre seus contemporâneos. Foi isso que percebi, pelas lentes Dr. Filadelfo, seu filho,  quando narrou sobre Nicanor e seus filhos: Aí está o Nicanor: dos rapazes esperar determinação, força e coragem. Às moças oferecer delicadeza, carinho, apoio e liberdade para voar. E como ele gostava de ver filhas e netas voando! (Barreto, 2002)

Ser livre, talvez hoje seja o que mais anseiam as meninas, ser livre de preconceitos, de estereótipo,  ser livre pra andar por aí sem medo de ser importunada tão somente por ser mulher.

A liberdade do feminino servir ao masculino, na mesma medida que também é servida, em uma troca de cuidado e cumplicidade e não apenas porque se convencionou que esse é o papel da mulher,  servir docilmente.

Ser livre para ser uma pessoa inteira e plena, e se quiser ser esposa, se quiser ser mãe,  se quiser ser o que quiser. Dona de si e de suas próprias escolhas. Ser livre,  como uma passarinha que tem a imensidão pela frente, e  o voar lhe pertence. Às meninas e mulheres aqui presentes, meu desejo: sejam livres! 

Nicanor vivenciou os desafios da vida com firmeza e resiliência, recomeçando quando era necessário, sem muitos espaços para o desistir. 

Essa forma de viver a vida, sem paralisar-se diante dos desafios, me lembrou um trecho do livro O Amor em tempo de cólera de Gabriel Garcia Marques: "os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão a luz, e sim que a vida o s obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmo." 

Não desistir também tem sido a tônica da minha jornada. Nem sempre ela é linear, nem sempre sem percalços, mas sem a possibilidade de estagnar e paralisar.

Voltando aquela sala no Instituto Camillo Filho, ali começou minha história naquele espaço de formação, e começou também a convivência com vários dos hoje confrades dessas APLJ, mas uma convivência em especial me ensinou a forma como deve ser uma gestão acadêmica: firme, serena e respeitosa. Aprendi com a Professora Fides Angélica como preferir o correto ao popular, como me posicionar com clareza e sem regatear diante dos desafios. No Instituto Camillo Filho e no NPJ Dr. Nicanor Barreto foi forjada a Professora Adriana Ferro, tanto na docência jurídica, quanto na gestão acadêmica.

E já chegando ao final, volto ao começo, continuando aquela viagem em retrospectiva, lembram? Sabe aquela menininha? Se tornou uma jovem recém-formada e foi pedida em casamento por outro jovem sonhador, Mário, que se tornou seu companheiro de vida. Foi mesmo um encontro singular, aqueles dois. Sonhos e desejos parecidos, mãos dadas que enfrentaram juntas muitos desafios, mas que continuam unidas, e deles três rebentos afloraram: Rafael, Gabriel e Miguel, que seguem seus próprios caminhos e voam para realização de seus projetos e sonhos, mas que sabem que tem um ninho esperando por eles, todas as vezes que os intempéries da vida forem por demasiados cruéis. Nada como pousar, descansar para continuar a luta.

Findando este esforço de memória fico cá comigo com uma sensação estranha, de não estar fazendo justiça a todos os fatos que determinaram minha escolha pela docência jurídica, mas acho que deste incômodo sofrem todos os contadores de história, pois Camões já disse uma vez em seu Lusíadas:

Porque de feitos tais, por mais que diga;

Mais me há-de ficar ainda por dizer.

(Camões, Os Lusiadas, canto III, 5)

Muito obrigada!


1 de dez. de 2023

Discurso de Paraninfa (Profa. Adriana Ferro)


 E hoje é o dia da Colação de grau dos meus primeiros afilhados do curso de Pedagogia. Ser paraninfa é uma honra e uma responsabilidade muito grande.

Estou deixando registrado aqui o discurso que realizei na solenidade:

BOA NOITE A TODO/AS,

Queria inicialmente agradecer a alegria que me concederam ao ser escolhida como paraninfa da turma de vocês. E ser paraninfa, para mim, é uma missão que tomo de forma muito cuidadosa, porque etimologicamente, este termo, Paraninfo,  surgiu a partir do grego paránymphos, em que significa "ao lado" e nymphé quer dizer "noiva", ou seja, antigamente a palavra paraninfo era utilizada com o sentido de "padrinho ou testemunha de casamento", e se tem alguém que escolhido com muito zelo são os nossos padrinhos e madrinhas. E ser madrinha de vocês me deixou com uma grande responsabilidade, porque é aquele que aconselha, que zela, que cuida.
E nesses últimos tempos, assumi meio inconscientemente essa missão de cuidado, pensando com carinho em como minimizar os danos que a falta de professores e a pandemia gerou para a turma. Sei que não foi fácil, ver chegar a data esperada para a colação de grau e ela não acontecer por conta de acontecimentos que fugiam do controle de vocês. Mas, mesmo em meio a tantos obstáculos, encontrei uma turma resiliente, que teve que passar pelos desafios e saiu forjada no fogo e na tempestade. E vocês foram bambus que vergam, mas não quebram, ou seja adaptam-se aos intempéries e voltam a sua forma inicial após a ventania passar.
Foram mais de 4 anos e meio, como era o projeto inicial, foram quase 5 anos e meio. Mas chegamos nesse momento, e agora é tempo de colher com risos o que foi plantado entre lágrimas. Parabéns queridos!
O curso de Licenciatura de Pedagogia da Uespi de Piripiri, entrega para a comunidade do meio norte do nosso Estado e para a Mesorregião do Noroeste Cearense, esses valorosos Pedagogos e Pedagogas. Durante sua formação inicial, nas experiências proporcionadas pelo curso, muito mais do teorias educacionais foram discutidas, mas valores, discussões, compreensão de mundo e de pessoas, vivências de experiências docentes e desenvolvimento de habilidades socioemocionais foram trazidas para a compor todo o arcabouço de suas habilidades docentes.
E como de costume, afinal, sou uma contadora de histórias, eu vou refletindo sobre esse percurso todo até aqui e o momento que estamos vivendo agora e histórias vão chegando a minha memória. Falei há pouco do bambu que enverga mas não quebra, e agora eu me lembro da história dos 03 pedreiros. Alguns de vocês já me ouviram contar, mas vou pedir licença para contar novamente, nesse momento tão propício.
Era uma vez… Um senhor que estava caminhando por uma rua quando se deparou com uma construção, e viu algumas pessoas trabalhando concentradas em seus afazeres. Então o senhor chegou próximo ao primeiro pedreiro que estava suado, de baixo do sol de nossa terra, e perguntou a ele: "olá, jovem, o que você está fazendo?", o rapaz olhou pra ele, meio que aborrecido pelo senhor não entender algo que pra ele era tão claro: "Não está, vendo?", disse, "estou amassando cimento!". O curioso senhor, aproximou-se então de um outro trabalhador, e fez a mesma pergunta: "Olá, o que você está fazendo aí?", o pedreiro parou um pouco de amassar o cimento, que era a sua atividade naquele momento, colocou a enxada no chão e apoiando-se nela disse: "Ah, eu estou construindo uma parede!", o senhor sorriu com aquela resposta, e saiu para falar com um terceiro jovem, que também amassava o cimento, e novamente fez a pergunta: "O que você está fazendo aí, meu jovem?". Dessa vez, o interlocutor, além de parar e apoiar-se na enxada, abriu um largo sorriso, e apontou para a construção que já se desenhava em meio a paredes e andaimes, e apontando falou: "Olhe, não estás vendo? Estou a construir uma linda catedral!"
Diante dessa história eu fiz uma reflexão, recentemente, sobre a romantização da exaustão docente e queria também trazer para vocês:
Desde muito tempo se propaga a ideia de  que tem se ensinar por amor. Eu, particularmente, sou frontalmente contra essa "verdade" alardeada por aí.  Eu acredito, na verdade, que tem que se ensinar com amor.
E tem diferença,  professora? (Vocês poderiam me questionar) Tem sim! Uma enorme diferença.
Quando se fala de ensinar por amor, percebe-se a docência como sacerdócio,  com sacrifícios, que os professores têm que trabalhar muito, sem dia de descanso, em qualquer condição. E o professor que impõe algum tipo de limite, como descansar no fim de semana e desligar-se as 22h é visto como um mau professor,  porque ele tem que estar disponível sete dias por semana, as 24h horas do dia.
Já quando se ensina com amor, percebe-se que a docência deve ser realizada com excelência,  mas ela é um trabalho, uma profissão, e apenas uma das dimensões da vida do professor,  que tem família, amigos e horas para si.
Então pensando no trabalho pedagógico que cada um de vocês irão desempenhar, na condição de pedagogo, seja dentro ou fora da escola, mas tendo a educação como objeto de sua profissão, façam o trabalho com amor, vislumbrem as catedrais que estão construindo, percebam as mudanças que o trabalho ordinário, silencioso e diário trará para os que tiverem o privilégio de vivenciar o labor, mas não esqueçam que ser pedagogo faz parte da sua identidade mas não lhe define por completo, além disso vocês tem família, comunidade, amigos, e a inexorável obrigação de ser feliz nesse mundo tão caótico.
Para encerrar minhas palavras volto a reflexão sobre a missão de ser madrinha, paraninfa de vocês, e volto também a agradecer tamanha confiança em mim, para falar pela última vez a vocês na condição de formandos, porque já já vocês serão formados. Assim, me permitam realizar um ato muito própria das madrinhas, ministrar benção. E para isso vou fazer uso da benção Araonica, que está na Bilbia, no livro dos Números.
O Senhor te abençoe e te guarde;
Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te conceda graça;
O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê paz.
Sejam felizes anjos meus, construam lindas catedrais, porque eu estou vendo as catedrais que eu ajudei a construir, amassando todos os dias o meu cimento.
Muito obrigada!


30 de nov. de 2023

Discurso de Descerramento de Placa (Professora Adriana Ferro)

 Uma das alegrias que tenho na docência superior é participar da comemorações de formatura dos alunos, após cumprirem suas atividades acadêmicas. E a turma que concluiu agora em 2023.1 me deu a alegria de discursar, tanto na sua solenidade de colação, como paraninfa, como no descerramento da placa.


E deixo vocês com as minhas palavras para a solenidade de hoje (30/11/2023), que será o descerramento:


Boa noite!
 
Muito feliz pela presença de todos vocês nesse momento de congraçamento e alegria.
Queria cumprimentar a todos e a cada um, mas especialmente gostaria de conversar com os meus queridos formandos.
Hoje estamos aqui para o descerramento da sua placa de formatura.
Em tempos de implantação de placas de formaturas digitais, é uma alegria poder ainda vivenciar o momento de desvelar fisicamente o marco da passagem de cada um de vocês pela instituição.
Fico muito feliz ao andar pelos corredores da UESPI e presenciar outros alunos da parados lendo as placas, buscando o nome dos seus conhecidos, apontando um egresso que conhece e, normalmente, com um sorriso no rosto, mas também é com maior alegria que eu mesma passo nos corredores e encontro meus ex-alunos eternizados em suas placas.
A universidade é um momento na vida profissional de vocês como pedagogos, um primeiro momento, por isso mesmo chamado de formação inicial. (não tem aquela história de que a primeira impressão é a que fica?, que o primeiro amor é inesquecível?, as vezes é difícil, mas mesmo assim é o primeiro...)
E essa formação inicial acompanhará vocês de forma indelével. Para sempre vocês vão dizer, nos espaços que vivenciarem: “sou egresso da UESPI”, ou ainda, “sou filho da UESPI” (em outras palavras a UESPI é casa-mãe de formação, de cada um de vocês).
E assim como nossos pais e mães, a UESPI tem seus problemas, mas também assim como aqueles que nos amam, ela se força, nas pessoas dos seus gestores, funcionários e professores, para oferecer o melhor dentro de suas próprias limitações.
E nesse momento uma história vai se criando no meu imaginário, quando olho para cada um vocês e vejo o quanto construíram até aqui.
Imaginei um passarinho que está no ninho. Durante muito tempo, desde que saiu do seu ovo, está acolhido em um pequeno ninho, em cima de uma grande árvore, o ninho nem sempre foi confortável: teve vento, teve chuva, teve sol escaldante... Mas mesmo diante de intempéries, e olhe que nasceu em um tempo cheio de desafios, ele sabia que estava em seu ninho, de certa forma era uma segurança. Ao mesmo tempo tinha uma grande vontade de conhecer o mundo, de voar alto, de fazer sua própria história de grandes aventuras. Então, um belo dia, disseram-lhe: pronto, seu tempo aqui chegou ao fim. Mesmo o passarinho já tendo tido alguns voos antes, já tendo visto parte do mundo pertinho do seu ninho, o medo de estar por sua conta e risco gerava um frio na barriga. Mas esse momento tinha sido muito sonhado, muito desejado, muito querido, e o passarinho, ficou na beirinha do ninho, olhou para trás, pensou em tanto vivido, tantos dias bons e outros tantos não tão bons, deu um grande suspiro, abriu suas asas, e ao abri-las deu-se conta de que elas estavam grandes, emplumadas, fortes. Deu um grande suspiro, encheu seus pulmões de ar, e aventurou um passo no infinito, alçando o voo mais longo até então. Aquele pássaro voou pelo universo e às vezes passava por perto do seu ninho, sentia saudade (mesmo antes achando que não ia sentir) e relembrava as aventuras até então vividas, percebendo que seu processo de formação o acompanhava mundo a fora.
Queridos, a árvore é a UESPI, o ninho é nosso curso de pedagogia, todo esse tempo foi desafiador, e a UESPI os reteve mais do que deveria, mas agora é hora de vocês estenderem as asas e voarem, é hora de deixar o ninho, e esse é o convite que faço a vocês voem, construam histórias lindas, e de vez em quando passem por aqui, venham nos dá notícias de suas histórias, sejam felizes, meus anjos.


4 de nov. de 2022

 


O CLUBE do imperador. Direção: Michael Hoffman. Los Angeles: Universal, 2002. DVD.
RESENHA

Adriana Borges Ferro Moura 

O Clube do Imperador, filme lançado em 2002, tem como cenário o colégio St. Benedict's, uma escola exclusiva para rapazes que possui como alunos os filhos da nata da sociedade americana. O início da história se passa no ano de 1976 e começa em uma sala de aula da disciplina História Greco Romana, ministrada pelo professor William Hundert ( Kevin Kline). 
Hundert demonstra ser um professor apaixonado pela docência que acredita que pode mudar seus alunos por meio do ensino. Em sua sala de aula há iconografias de vários personagens de suas aulas e ele dedica-se a explicar a seus alunos que o “ O caráter de um homem é seu destino”, fazendo uso dos exemplos dos clássicos para reforçar suas lições de história e de moral.

O enredo do filme começa a se desenvolver realmente quando um aluno chega a sala de aula de Hundert, Sedgewick Bell filho de um importante Senador. Ele apresenta um comportamento desafiador, com pouco apego às regras da instituição e à autoridade do professor. Inicialmente, o professor ficou paralisado diante do aluno e até apresentou um comportamento hostil diante da indisciplina que ele apresentava.

Mas, ao chegar o momento do concurso do Senhor Júlio César, Hundert percebeu a oportunidade de desafiar a inteligência de Sedgewick e assim conquistar sua empatia, para tanto forneceu-lhe um livro de sua estima, e acompanhou com contentamento o crescimento das notas dele.

No momento de determinar os três finalistas, entusiasmado pela evolução nas notas de Sedgewick, o professor Hundert falseia a nota que deveria atribuir-lhe para que possa compor o trio finalista, no entanto com esta ação ele pretere Martin Blythe, aluno brilhante que almejava participar do concurso para se tornar o sr. Júlio César como seu pai tinha sido.

Durante o desafio final, Hundert percebe com pesar que seu aluno predileto está fraudando, e propõe uma questão que ele não poderia ter sem suas notas de “pesca”. Com isto, outro estudante, que de fato tinha conhecimento necessário para ganhar o concurso logra êxito. Neste ponto nos deparamos com a tristeza do professor diante da sensação de fracasso e da percepção que Bell voltava aos velhos hábitos, tanto que afirma que a tristeza era o sentimento que o invadia ao entregar-lhe o diploma. 

No entanto, é importante uma reflexão sobre o comportamento do professor e do aluno. Poderíamos compreender que o professor tinha um bom motivo para colocar um aluno na final em detrimento de outro, que suas intenções eram boas, mas é importante ressaltar que Bell também tinha seus motivos, sendo a aprovação paterna um deles. O professor com sua ação fraudulenta marcou definitivamente a vida de outro aluno, que não lhe tinha angariado a mesma empatia que Bell. Uma discussão ética perpassa neste momento do filme: Os fins justificam os meios? E o comportamento do professor não foi igualmente reprovável?

O tempo passou, o professor Hundert aposentou-se após ser preterido para a direção do colégio St. Benedict's para dar lugar ao professor James Ellerby, que pautou sua vida acadêmica para conseguir o cargo que naturalmente seria do professor Hundert. Vinte anos depois, já aposentado e casado com seu amor de toda a vida, Hundert recebeu uma proposta de Bell, agora um grande empresário, por meio de Ellerby, para um novo desafio do Sr. Júlio César, com seus ex-alunos.

Aceitou relutante, mas ao chegar ficou feliz ao rever todos os seus antigos pupilos e preparou-se para mediar o desafio, com a esperança que dessa vez o desfecho fosse diferente, que Bell houve se transformado em alguém ético, talvez até para aplacar sua própria culpa, na percepção de que tinha alcançado o seu fim. Mas não foi o que ocorreu, mais uma vez seu ex-aluno usou de fraude e ao final anunciou sua candidatura ao senado, demonstrando o real interesse da reunião, angariar apoio dos ex-colegas, agora influentes profissionais.


Diante deste comportamento, o professor tem uma conversa com Martin Blythe, e revela-lhe a fraude no primeiro concurso, informando-lhe que ele que deveria ser o concorrente naquela oportunidade. E o encontro final com seus alunos, faz Hundert compreender que seu fracasso com Bell não significava seu fracasso como professor, porque ele havia influenciado muitas vidas de forma positiva, isto determinou sua volta a sala de aula de St. Benedict's, agora uma escola bem diferente daquela de vinte anos atrás. E o desfecho que marca este pensamento é exatamente Blythe levando seu filho para a aula do seu antigo professor, com a percepção que apesar de tudo suas lições eram valiosas.



7 de jun. de 2022

A Escola Pós-Isolamento Social

O isolamento social, desencadeado pela Pandemia da COVID-19 desde março de 2020, impactou fortemente a Educação.

Os professores precisaram se reinventar, tornaram-se Youtuber, Instagramer, editores de vídeos e desenvolveram atividades que eram ainda inéditas na sua vida acadêmica. Isso, quando falamos dos professores que, eles e seus alunos, tinham acesso ao mundo digital. Mas havia ainda aqueles que os pais de seus alunos iam a escola para pegar cadernos de atividades, que os docentes elaboravam, uma vez que a internet não lhes eram acessível, e nesse caso, os alunos precisavam responder as atividades sob o olhar da família, que muitas vezes não tinham habilidades teóricas e técnicas para ajudar no processo de aprendizagem.

Foi um esforço emergencial necessário diante do risco presente de adoecimento com sequelas graves e até morte. As famílias sofreram com perdas de vidas e financeiras, com desemprego e empobrecimento. E as crianças sofreram fortemente com o impacto desse tempo na Educação, mesmo que as consequências não tenham sido a mesma para todos, em maior ou menor medida, todos foram alcançados por esse momento.

Mas agora a escola é chamada a voltar, algumas já algum tempo estão atuando presencialmente, outras somente em 2022 voltaram com suas atividades presenciais, e é tempo de realizar um processo de diagnóstico.

Como está a aprendizagem das crianças? o que é preciso recuperar? Não é possível, tão somente, fechar a porta desses dois anos, e partir de 2022, como se as crianças tivessem realmente aprendido o que era curricularmente esperado. Faz-se necessário realizar uma análise da atual situação dos discentes, é preciso também um processo de readaptação ao ambiente escolar.

Como estão os professores? Mais uma vez ele são chamados a mudar, e retomar o ensino presencial, o medo é presente, a pandemia não acabou, mas sabemos que precisamos caminhar. Os professores, como todos, sofreram nesse processo, fortemente, e precisam de cuidado, é necessário a percepção do adoecimento físico e mental, em razão da fadiga que o tempo de ensino remoto causou.

Não podemos simplesmente ignorar o que vivemos em tempo de Pandemia, é preciso verificar de que lugar partimos para avançarmos a partir daí. Estado, escola e família precisam conversar e ajustar estratégias de retomada, e mais, é preciso que cuidemos daqueles que cuidam dos nossos alunos, é preciso que cuidemos dos professores.

8 de jul. de 2021

Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola

    

 



Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola


Profª Drª Adriana Borges Ferro Moura

Resumo 

Este pequeno ensaio foi construído para mediação de uma roda de conversa "Conversando sobre Educação, Olhares Plurais", fundada em um projeto de extensão da Universidade Estadual do Piauí, no intuito de propiciar reflexões iniciais sobre o tema "Docência e Afetividade: Razão e Emoção na Escola”. Seu objetivo versa sobre discutir a importância da afetividade no espaço escolar e o papel dos docentes neste contexto. Para conduzir o processo reflexivo foi proposto três momentos. Inicialmente, compreender o conceito de afetividade, em seguida discutir a escola como lócus de afeto, para em seguida analisar o papel do docente em todo esse contexto. A escola é espaço de afeto e o professor é o agente que possibilita a vivência de momentos significativos de afetividade e ternura.

Palavras-chave: Afetividade;  docência afetiva; afeto na escola.

PARA COMEÇO DE CONVERSA

    Iniciar uma conversa sobre afetividade, por si só já não nos deixa inerte, emoções saltam diante do texto, expectativas são criadas, pois a palavra afeto nos leva a recantos escondidos das nossas memórias, e isso é um primeiro sinal que a afetividade tem um espaço significativo no nosso viver.

    E, como primeiro momento das nossas reflexões, vou propor um pequeno exercício a você, leitor: relembre sua vida escolar e seus professores. Nesse percurso houve situações em que você gostava muito de uma disciplina e perdeu o interesse por conta de sua professora ou professor? E o contrário já aconteceu? Houve situações que aquela matéria que era um desafio se tornou mais amena em razão do relacionamento com a/o docente da disciplina? Acredito que, se não as duas, pelo menos uma dessas situações já foi vivenciada por você. A professora ou professor pode ser muro ou ponte no processo de aprendizagem da sua aluna ou do seu aluno, aproximando ou, por vezes impedindo e/ou dificultando muito o acesso ao conhecimento.

    A grande influência da concepção dualista da pessoa humana pode ser a responsável por pensarmos pouco sobre as influências das relações e emoções no contexto escolar, uma vez que a afetividade, nesse cenário, faz parte da dimensão anímica, que não poderia fazer parte dos estudos acadêmicos.

    Todavia, atualmente não é mais possível pensar a pessoa como alguém partido em dois, ou é razão ou é emoção. A possibilidade de compreender que somos um todo e que a cognição e a afetividade não podem ser divididas ao se discutir a constituição humana emergiu dos estudos sobre a concepção monista do homem, em outras palavras, cada um de nós é um ser inteiro, formado por razão e emoção sendo que os limites entre essas duas dimensões não são precisos, ao contrário, há influência significativa entre uma e outra.

    Neste pequeno ensaio refletimos sobre afetividade e prática docente, uma vez que compreendemos como Leite (2012, p. 356), que a mediação pedagógica "[...] é de natureza afetiva e, dependendo da forma como é desenvolvida, produz impactos afetivos, positivos ou negativos, na relação que se estabelece entre os alunos e os diversos conteúdos escolares desenvolvidos.". Você já refletiu sobre sua prática docente nesse contexto? Já pensou se se comporta mais como ponte ou como muro para as alunas e os alunos que lhes são confiados? Vamos pensar um pouco mais sobre tudo isso.

O QUE É MESMO AFETIVIDADE?

    Como já mencionamos, a palavra afetividade carrega consigo um significado que transborda o aspecto meramente denotativo, e consegue permear o imaginário com sensações e emoções pelo simples fato de ser mencionada.

    Afeto e ternura são expressões que aquecem primeiro nosso coração, antes mesmo de serem decodificadas por nosso cérebro. Mas a proposta nesta seção é definir ou desenvolver um conceito que seja possível ser acolhido no âmbito educacional. O que é afetividade, quando estamos discutindo o espaço educacional?

    Maria Augusta Rossini (2004) compreende que para o desenvolvimento da afetividade há que se desenvolver um trabalho baseado em três alicerces: limites, mitos do cotidiano e ritmos.

    Os limites são colocados como o primeiro ponto do desenvolvimento da afetividade, o que pode causar espanto, uma vez que estabelecer limites é tido como algo ruim ou repressivo, mas não precisa ser assim. Ser afetuoso é ser também  responsável com o estabelecimento de espaços possíveis. E a permissividade nada tem a ver com ternura. Atualmente é um desafio a imposição de limites uma vez que as transformações sociais e familiares facilitaram a ruptura nos padrões antes existentes, gerando uma conseqüente perda de referenciais e induzindo a modificações nas relações, metas e valores educacionais (WALGNER et al, 2005). Mas é um desafio que precisa ser enfrentado, uma vez que é essencial para o saudável desenvolvimento da criança e também para o estabelecimento de um relacionamento adequado, com o reconhecimento do papel da professora e do professor em sala de aula.

E os mitos do cotidiano? o que Maria Augusta Rossini (2004) quer nos ensinar sobre isso? Para a autora "os mitos são tradições, às vezes lendárias ou não, que explicam ou ilustram os principais acontecimentos da vida" (ROSSINI, 2004, p. 41). E trazendo isso para o ambiente escolar, quais seriam os mitos do cotidiano dos estudantes? O bom professor? O professor ou professora "bonzinho"? A escola como local de sofrimento? Certa vez, assistindo a um programa de Televisão, vi uma repórter perguntar a uma criança qual a hora que ela mais gostava na escola, a sua resposta foi imediata e muito espontânea: "a hora que eu mais gosto na escola é a hora de ir embora." Há mitos/tradições que precisam ser desconstruídos e reconstruídos para criar um ambiente saudável para o desenvolvimento de afetos. A escola como local de felicidade é um percurso a ser perseguido, e não apenas para os estudantes, mas para toda comunidade escolar, todos que vivenciam o chão da escola.

    O terceiro alicerce da felicidade, segundo Rossini (2004) são os ritmos. O estabelecimento de ritmos e rotinas diárias (ritmos externos), proporciona conforto, equilíbrio e segurança, contribuindo assim para o desenvolvimento sadio da afetividade. Mas, também o entendimento que cada criança é única e possui seus próprios ritmos de aprendizagem (ritmo interno) é importante e salutar.

    Nesse sentido, após passarmos pela reflexão dos pressupostos da saudável relação de afeto, voltamos a pensar sobre a definição de afetividade. Para isso tomamos os ensinamentos de Wallon (1996) que entende que o termo afetividade refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis, assim, incialmente afetividade não é necessariamente uma sensação positiva, pode ter algo que nos afete e que tenha um lado negativo.
    Tomando para o contexto da aprendizagem, lembramos de Larrosa Bondia (2002) quando leciona sobre saber da experiência: "[...] experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca." (BONDIA, 2002, p. 21), assim o conhecimento passa pelo processo de sensibilização, de afetação. Essa seria a forma de discutir a afetividade tomada em seu sentido mais amplo como nos ensina Wallon (1996).

    Todavia, para nosso estudo, pensamos em restringir a concepção de afetividade para seu sentido mais estrito, que se relaciona com boas experiências, emoções e sensações que se tornam lembranças positivas e que se ligam a ternura e carinho. Assim afetividade para esse estudo, e para a compreensão de ensino e aprendizagem afetivas que discutimos, são os atos, os sentimentos, as emoções positivas, que geram boas lembranças de ternura e carinho, e que se constitui em ponte entre ação de ensinar do professor e a de aprender do estudante.
    Encontrando uma definição para o termo afetividade, passamos então a pensar a escola como espaço de afetos.

ESCOLA COMO ESPAÇO DE AFETO

    Muitos são os espaços em que é possível a construção de relações e experiências de afetividade. Há aqueles em que essa construção é certa, se tomamos a acepção de afetividade mais ampla trazida por Wallon (1996), entendendo que o que nos afeta pode ser bom ou ruim, são locais como a família, a escola, a igreja, a vizinhança, e mais modernamente a internet, entre outros. Mas, ao mesmo tempo, não é certo que esses mesmo espaços possam ser apontados como espaço de afetividade se tomarmos a acepção mais restrita, de uma afetividade como emoções positivas.

    Como, então, a escola pode ser um espaço de afeto? Um local onde toda comunidade escolar possa vivenciar momentos de afetividade? Primeiro é preciso compreender que ser um lócus de afetividade, não significa que não existirão momentos ruins, pois a oscilação de situações boas e situações não tão boas faz parte da vivência humana, mas ao final, nosso questionamento é se a escola deixará boas lembranças para os que ali passarem.

Para pensar sobre isso Sérgio Leite (2012) inicialmente nos diz que:

Um dos desafios teóricos que se colocaram, quando começamos a estudar a dimensão afetiva, foi entender as razões pelas quais este conceito permaneceu historicamente periférico nas relações de ensino e aprendizagem, embora sua importância não tenha sido negada pelas tradicionais teorias psicológicas. (LEITE, 2012, p. 356)

    E o autor credita esse tratamento periférico à predominância secular da concepção dualista da pessoa, que seria seccionada em razão e emoção, sendo que essas duas dimensões não se confundiriam, nem mesmo haveria intersecção entre elas. Assim, os afetos, como parte da dimensão anímica, não poderiam ser objetos de estudos científicos, e por essa mesma razão, não poderia estar no ambiente escolar, que seria um ambiente de desenvolvimento intelectual, com prevalência da razão.

    Mas essa compreensão cingida entre os campos da emoção e da razão leva ao entendimento que o ser humano é um ente que ora pensa, ora sente, não havendo vínculos ou relações determinantes entre essas duas dimensões. (LEITE, 2012). Além dessa percepção partida, havia ainda o entendimento prevalente que a razão era hierarquicamente superior a emoção.

    Aos poucos, no entanto, foi surgindo a compreensão de que a pessoa humana é um todo único, que    incorpora várias dimensões que se confundem, se interseccionam e se amoldam, e dando lugar à concepção monista do ser humano. Assim, razão e emoção, mente e espírito são reconhecidas como dimensões indissociáveis da condição humana.

    O reconhecimento da dimensão monista chegou à escola, que não pode mais entender que dentro dos seus muros as relações que ocorrem são apenas intelectuais. Ao contrário, na escola há fenômenos que visibilizam a emoção em seus espaços, como o bullying, a indisciplina, as dificuldades de aprendizagem.
A escola é um espaço de afeto, espaço em que sujeitos se relacionam e que há conflitos e trocas plurais. É um espaço em que crianças são formadas e socializadas, e não é possível a compreensão que isso só ocorre no âmbito intelectual. Ao contrário, é na escola que por vezes a criança encontra acolhimento, mas muitas vezes é lá também que ela é rejeitada e experimenta pela primeira vez o preconceito.

    Reconhecer a escola como um espaço de afeto é muito importante, para que se possa preparar a comunidade escolar no sentido de que a formação ali proposta deve contemplar o indivíduo como um todo, em todas as suas dimensões. Mas, falar de afetividade na escola implica, necessariamente, em pensar no papel de um dos seus protagonistas, o professor e a professora. 

DOCÊNCIA E AFETIVIDADE

    Gabriel Chalita, em seu livro 'Educação a solução está no afeto' contribui para nossas reflexões ao trazer um questionamento sobre a possibilidade da substituição dos professores por computadores:

Há quem afirme que o computador irá substituir o professor, que nesta era, em que a informação chega de muitas maneiras, o professor perdeu a sua importância. O computador nunca irá substituir o professor. Por mais evoluída que seja a máquina, por mais que a robótica profetize evoluções fantásticas, há um dado que não pode ser desconsiderado. A máquina reflete e não é capaz de dar afeto, de passar emoção, de vibrar com a conquista de cada aluno. Isso é um privilégio humano. (CHALITA, 2001, p. 163-164)

    De fato, se antes o conhecimento, dentro da escola estava centrado quase que exclusivamente no docente e nas suas escolhas, hoje, na era da informação, aprender sobre qualquer assunto está ao alcance de um clique, e literalmente o universo está na palma da mão, por meio de aparelhos eletrônicos e celulares.
    Mas há algo que apenas no professor é possível encontrar, o afeto. E por meio do afeto, esse profissional pode construir pontes para o conhecimento, pode conduzir seus alunos por caminhos mais seguros, dentre tantos colocados à sua disposição. O professor mudou de papel, hoje ele não é mais o oráculo, detentor de todas as respostas, que fica inerte à espera dos que estão na escuridão. Ao contrário, é guia, que toma pela mão, que cuida e protege.

    Para Gil, na sala de aula os professores e estudantes encontram espaço privilegiado para "[...] satisfação de muitas de suas necessidades, sobretudo das sociais de estima."(GIL, 2010, p. 57). Então qual o papel do professor hoje dentro da escola, como comunidade de afeto? O professor deixa de ser apenas o responsável pelo processo de ensino formal, e passa ter para si a atribuição de desenvolver e velar por relações sadias de afeto que propiciem o desenvolvimento de ambiente de aprendizagem para o aluno.

    Mas é importante saber que a/o docente não precisa deixar de ser professor para se tornar "amigo" do seu aluno. Vou contar algo pessoal para vocês. Quando meus filhos eram pequenos, ouvia muitas das minhas amigas falando que gostariam ser amigas dos seus filhos, talvez para se afastar da ideia de pais autoritários, muito presentes na infância da minha geração. Mas, eu sempre retrucava dizendo: “Por minha vez, eu não quero ser amiga dos meus filhos! Na verdade, eu quero e sou mãe deles, pois vai haver momentos de risos e cumplicidade, mas vão existir situações que minha vontade terá que prevalecer como adulta e como pessoa que tem a responsabilidade de educá-los”.

    Entendo que a relação do professor com seus alunos é muito parecida com essa situação. O professor não é chamado para ser melhor amigo do seus alunos, pois uma relação de amizade requer mais cumplicidade que autoridade formativa, mas a sua competência é ser docente, e ser docente envolve a cumplicidade que ocorre na amizade, mas há muito mais, há autoridade de se reconhecer que o professor tem a condução do processo de ensino.

    Nossa proposta é que o professor seja um docente de afeto. Que ele/ela reconheça seu papel dentro da sala de aula, mas que faça sua lida diária com ternura, com sensibilidade e com o reconhecimento que cada um dos seus alunos são sujeitos históricos, que têm um percurso até o dia que chega a sala de aula.

NOTAS CONCLUSIVAS

    Chegando ao final dessas breves ponderações sobre afetividade e escola, que tem a intenção de nos inquietar e nos tirar do espaço de conforto que estamos, podemos retomar às questões propostas lá no início: Você já refletiu sobre sua prática docente nesse contexto? Já pensou se comporta-se mais como ponte ou como muro para as alunas e os alunos que lhes são confiados? 

    Não podemos insistir em reconhecer a escola apenas como lócus de formação intelectual. Pois é certo que todos os que compõem a comunidade escolar, e não apenas os alunos, encontram no ambiente escolar espaço de formação plural, que é intelectual, mas também é emocional, espiritual, artístico.

    O ser humano é um todo formado por várias dimensões que não podem ser dissociadas, mas que convivem e interferem uma na outra. Cada professor, cada aluno, cada gestor educacional e cada funcionário da escola traz consigo vivências emocionais que se relacionam e podem ser muros ou pontes para o processo de ensino-aprendizagem.

    Nossa proposta? Vamos ser construtores de pontes? Agentes de afetividade?


Com afeto🌻

REFERÊNCIAS
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002.

CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. Editora Gente, 2001.

GIL, Antonio C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2010.

LEITE, Sérgio A. S. Afetividade nas práticas pedagógicas. Temas em psicologia, v. 20, n. 2, p. 355-368, 2012.

ROSSINI, Maria A. S. Pedagogia da afetividade. Petrópolis, Rj: Vozes, 2004.

WAGNER, Adriana et al. Compartilhar tarefas? Papéis e funções de pai e mãe na família contemporânea. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 21, n. 2, p. 181-186, 2005.

WALLON, Henri. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1981.

8 de mar. de 2021

Uma Reflexão sobre Saúde e Cultura

Ao constatarmos que estamos findando a primeira década do século XXI, que nasceu sob o signo do desenvolvimento cultural e tecnológico, custa-nos acreditar o quanto os aspectos culturais, notadamente os ligados aos preconceitos e ritos, ainda influenciam o imaginário de nosso povo. E esta realidade é muito nítida quando nos deparamos com as causas e curas das doenças que assolam o mundo moderno.

O livro de Susan Sontag, “Doença como Metáfora”, traz, em um texto de leitura fácil, a constatação desta realidade que, apesar de ser muito antiga, ainda é presente nos dias atuais, como restou provado pela comparação que a autora fez  entre a tuberculose e o câncer e o significado que cada uma destas doenças recebeu nas sociedades em que elas ocorreram de forma mais intensa.

Não é incomum, a origem do câncer ser atribuída a problemas de ordem emocional, isto fica muito claro, por exemplo, quando lemos o depoimento do ex-deputado federal Clodovil Hernandes, morto em março de 2009, que afirmou em sua última entrevista à revista “Quem” em 11 de março de 2007: “Câncer não é um castigo, fui eu mesmo que o coloquei em mim. Passei tanto tempo me sentindo culpado por ser homossexual, que isso foi crescendo dentro de mim.”.

Assim, muitas vezes as causas das doenças são atribuídas aos próprios pacientes, em um processo que Sontag chama de punitivo, uma vez que quando a sociedade dá um sentido à alguma doença é, normalmente, de cunho moralista, atribuindo a culpa pelo adoecimento ao próprio paciente. Por vezes, diante do diagnóstico de uma doença terminal, espera-se que o paciente tenha uma reação de superação, positiva diante da sentença que está sendo dada, isto é festejado e até, subliminarmente indicado. E, quando não ocorre assim, qualquer agravamento do estado de saúde é atribuído ao fator emocional, à impossibilidade do doente aceitar ou conviver com o diagnóstico.

Por outro lado, há o pensamento, não raro entre nós, que a fé e a auto-estima elevada podem contribuir, e às vezes até promover, a cura de doenças. Uma perspectiva, que de todo, não é ruim, uma vez que a esperança é sempre um motor para o doente, mas que pode levar alguns a desprezar as indicações médicas por se considerarem erroneamente curados, e, assim, abandonando os tratamentos adequados. Mais grave ainda é quando a cura esperada não vem e isto é atribuído à falta de fé, a não ser merecedor, ou ser um castigo divino. O que leva o doente a uma situação de maior vulnerabilidade ainda.

Considerando sobre esses aspectos, tanto a origem da enfermidade quanto a sua cura, passariam pelas mãos do enfermo. Desta maneira, ele teria o dom de adoecer e curar-se. Com este raciocínio, levamos os que se encontram doentes a uma situação de sentirem-se, muitas vezes, incapazes de promover seu próprio restabelecimento.

A doença, na sociedade humana, não é apenas um estado fisiológico, uma disfunção orgânica ou o ataque de agentes patológicos, mas é muito mais. Envolve o conceito de estima, de sensibilidade, de vulnerabilidade. Assim o enfermo, além de ver-se envolvido com exames, dores, remédios e limitações físicas, ainda tem a seu desfavor a obrigação pela busca interna por melhora física e emocional, e a culpa de ter, de uma maneira ou de outra, desencadeado um processo de auto-sabotagem.

Não estamos pregando que o conforto da fé, o estímulo ao bem-estar emocional e a busca da superação psicológica do doente devam desaparecer, mas parece-nos até desumano que certos fatores de causa e cura das doenças caiam sobre os ombros dos que as portam.

Em um momento em que vivemos a valorização dos direitos à dignidade humana, e buscamos a melhoria de vida das pessoas em um Estado democrático e plural, os portadores de doenças devem ser protegidos, e minimizados, tanto os danos gerados por fatores decorrentes da doença da qual são vítimas, quanto os danos ocasionados pela representação social que a mesma gera.

 (Escrito para o Curso de Especialização em Bioética e Direitos Humanos em maio de 2009)

 

Referências:

SONTAG, Susan. Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984

Revista Quem, de 11 de março de 2007.

DISCURSO DE POSSE NA APLJ

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