Impressionou-me vivamente a narrativa de vida profissional do Professor de Língua Inglesa Jay Parini, que leciona no Middlebury College, em Vermont, no seu livro “A Arte de Ensinar”. Talvez a surpresa com a leitura agradável decorra do preço módico do livro, comprado em uma promoção, dessas de liquidação mesmo, mais pelo título do que por qualquer outro motivo. Mas a surpresa foi muito boa. Muitas de suas lições, com certeza, vão ser minhas companheiras daqui por diante. Aconselho a leitura, principalmente para os docentes, ou para aqueles que pretendem enveredar pelo universo da academia, e podem ter certeza que, de maneira nenhuma, será perda de tempo.
![]() |
link da imagem: http://paulapopi.com/tag/maca/ |
Pensei inicialmente em falar, este mês
em que comemoramos o dia do professor, das grandes dificuldades que os
professores do ensino superior atravessam (tanto aqueles que atuam nas
faculdades privadas, quanto aqueles que exercem a docência nas
universidades públicas), e vejam que teríamos muito a discutir, porque
as dificuldades não são poucas. Mas refreei este primeiro impulso porque
o momento é de festa, mesmo que também seja de reflexão. Retomei a
leitura da obra de Parini, detive-me em um capítulo intitulado “Carta a
Um Jovem Professor”, em que o autor busca aconselhar aqueles que iniciam
na profissão para facilitar-lhes o percurso da carreira, tanto que
finda a carta dizendo: “Queria que alguém tivesse me enviado essa carta,
e que a tivesse lido, há cerca de 30 anos. Teria facilitado um pouco a
minha vida, então”, e por ocasião das comemorações que se avizinham,
decidi refletir seus conselhos. E presentear os professores com as
palavras deste velho professor. Vamos a Parini:
“Você tem que ensinar a partir da pessoa que você é”
Uma das principais ferramentas do
professor é o autoconhecimento, precisamos saber quem somos, de onde
falamos, quais nossas referências. Gil (2010) enumera 27 papéis
diferentes que o professor assume quando da realização de seu trabalho e
um deles é ser “pessoa”, é ter consciência que possui valores e
interesses que influenciam a sua atuação em sala de aula, e o
autoconhecimento é essencial para que possa atender ao apelo do pedagogo
americano Amos Bronson Alcott: “O verdadeiro professor defende os seus
alunos contra a sua própria influência.” Para mim, pelo menos, o
professor não devia querer que seus alunos pensem como ele, se ajustem
às suas ideologias, mas ao contrário, deve incentivar o pluralismo e o
respeito à divergência. Para tanto, é preciso que o professor realize
uma imersão em si mesmo e tenha um controle muito consciente da sua
forma de ser e pensar. Assim poderemos atender ao conselho de Parini:
“seja você mesmo, porém crie em cima dessa noção, adicione a você mesmo,
some a si mesmo, amplie-se”.
“Você deve levar o seu trabalho - tanto como professor quanto como erudito - a sério.”
O espaço do professor é bem maior que a
sala de aula, somos professores 24 horas por dia. Tanto que, às vezes,
nossos alunos confundem isto. Recentemente ouvi uma professora se
queixando que um aluno lhe pedira seu telefone porque iria usar um
feriado prolongado para se dedicar a seu Trabalho de Conclusão de Curso e
queria ligar-lhe se tivesse qualquer dúvida, “será que eles não pensam
que também temos que nos desligar um pouco?”. Nossos alunos nos veem tão
parte da vida deles que avançam em terrenos que eles mesmos depois
percebem que não deveriam ter adentrado.
Esse exemplo só demonstra que somos
professores sempre e que precisamos nos preparar para tanto, do ponto de
vista técnico (na área que ensinamos), do ponto de vista pedagógico (na
área da docência), mas também considerando o fato de que somos
percebidos por nossos alunos como pessoas eruditas, na melhor acepção da
palavra, então temos que fazer jus a este status.
As nossas leituras devem nos levar a
lugares em que seremos pioneiros, para que nossos alunos nos acompanhem e
consigam sair da “Caverna” que o mundo moderno nos enclausura. Mas
devemos tira-los da Caverna, convidá-los a sair, porque se nosso
objetivo for tão somente fazer o anúncio da boa nova, poderemos cair no
risco que Platão fala pela boca de Sócrates: “Assim, ele, por amor,
voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da ignorância
e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como
um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles
pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o
desprezariam...”
“O melhor caminho para conseguir
que os alunos compareçam às suas aulas com verdadeiro sentido de
compromisso é fazer da sala de aula um lugar onde boas coisas acontecem”
Este ensinamento de Parini me acompanha
toda vez que penso na forma de organização de um conteúdo para trabalhar
com meus alunos. É certo que nem sempre a aula é leve, muitos fatores
interferem no nosso fazer docente, mas o esforço por fazer da sala de
aula um espaço agradável é sempre bom. Cada professor desenvolve sua
própria estratégia, mas eu adquiri, com o tempo, a habilidade de contar
anedotas, narrar detalhes autobiográficos que envolvam o conteúdo da
aula (mesmo que, no meu caso, tenha que trabalhar Direito Penal). Outro
dia mesmo, a turma irrompia em gargalhadas quando discutia com eles o
conceito e os tipos de Crime Impossível, uma aluna até falou:
“Professora, como é que pode a gente rindo tanto de um assunto tão
pesado.” Mas as coisas devem ser trabalhadas com leveza, porque tudo
fica mais fácil de ser compreendido se não colocamos tantos
complicadores.
Parini traz muitos outros conselhos em
seu livro, e a riqueza de suas palavras devem ser partilhadas e
vivenciadas por todos os professores, não só os iniciantes. E neste dia
dos professores, em que os alunos lembram-se de nós com carinho,
refletirem sobre nossa missão deve ser sempre nossa maior festa e este
carinho nosso maior presente.
A todos os docentes um encantador “seu dia” e a nossos alunos, desejo sempre excelentes professores!
Referências:
GIL, Antonio Carlos. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2010.
PARINI, Jay. A arte de ensinar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002.
Publicado originalmente em: http://www.parlatoriojuridico.com.br/parlatoriojuridico/pagina/89