
Ao
receber o convite de conversar um pouco sobre ensino jurídico, fiquei a
pensar por onde começaria meu diálogo com vocês. Muitas ideias
surgiram, o assunto me é fascinante porque diz muito de mim. E quando
cheguei a este ponto, de compreender que vou escrever um pouco sobre
mim, sobre minha realidade, resolvi começar falando do professor de
Direito, mas não um discurso longo e cheio de receitas infalíveis de
como ser um bom professor (não acredito muito nestas fórmulas
milagrosas), na verdade queria contar um pouco do meu próprio enleio com
a profissão que escolhi para minha vida.
Percorrendo o caminho da docência
jurídica a quase duas décadas ainda me encontro com o mesmo espanto
infantil dos primeiros tempos, como se estivesse avançando em um terreno
desconhecido e cheio de novas experiências. O assombro que me invade
leva-me a lembrar de um trecho do livro de Lewis Carrol, Alice no País
das Maravilhas. Logo após cair na toca do Coelho, Alice depara-se com
personagem muito interessante, o Gato, e o diálogo que se segue entre os
dois me permite contemplar o ensino jurídico, em especial o professor
de Direito, por um prisma diferente.
O primeiro momento que destaco é quando
Alice se encontra com o Gato, e ela está perdida, à procura de um
caminho, então se segue o diálogo iniciado por Alice:
"O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?"
"Isso depende muito de para onde você quer ir", respondeu o Gato.
"Não me importo muito para onde...", retrucou Alice.
"Então não importa o caminho que você escolha", disse o Gato.
A docência é uma atividade eivada de
desafios, seja pelo ineditismo presente em todas as aulas, seja pela
peculiaridade de cada turma, seja pela exposição do professor diante de
seus alunos, situações que concorrem para que os que a exercem se
apaixonem sempre mais por essa atividade que se pode recomeçar todo
semestre, cotidianamente. Recomeçar, aliás, é intrínseco ao labor
profissional do professor, e este recomeço, em formato renovado, o ajuda
a refletir sobre a mobilização dos seus conhecimentos docentes.
Toda profissão exige conhecimentos
específicos, e o que diferencia o professor dos demais profissionais é o
saber ensinar, que se revela na capacidade de adaptação do conteúdo
disciplinar, tornando-o mais acessível aos alunos. Neste caso, o
professor é uma ponte para o aprendizado, encurtando distâncias,
favorecendo o estudo. Assim, compreendo que a especificidade da
profissão docente está no conhecimento pedagógico e que a
profissionalização do professor está ligada, diretamente, à prática
profissional.
O perfil do professor de Direito está em
mudança, porque o ensino jurídico está mudando, novos e variados
desafios esperam pelos profissionais do Direito que se aventuram na sala
de aula. Mas estes professores precisam saber qual caminho tomar, onde
eles querem chegar, para que a escolha do percurso profissional não seja
aleatória, mas seja consciente.
Avançando na leitura da aventura de
Alice, ainda em sua conversa com o Gato, e buscando o trajeto a
realizar, este lhe oferece dois caminhos: um que leva a casa do
Chapeleiro e outro que a fará encontrar a Lebre de Março, mas antes, que
ela possa decidir, o Gato alerta de que ambos são loucos. Alice, então,
afirma que não gosta de loucos e escuta espantada, que todos são loucos
inclusive ela, e diante da pergunta de como tem tanta certeza de que
ela é louca, o Gato arremata:
"Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá."
Diante desta observação do Gato,
novamente volto ao professor de Direito. Devemos ser todos loucos,
porque senão não teríamos nos aventurado em uma empreitada tão complexa.
E muito mais complexa para nós, porque não somos preparados para
enfrentar a docência, muitas vezes a intuição é a única ferramenta que
alguns professores de Direito utilizam no manejo de sua sala de aula.
Os conhecimentos dos professores de
direito, pelas características que estes possuem, são produzidos de
forma bastante idiossincrática e situacional, advém de sua atuação
profissional e trazem marcas do vivido dentro e fora da sala de aula,
antes e durante o exercício da docência. E mesmo considerando que essas
características não são de todo desfavoráveis ao professor, porque lhe
permite um trânsito que só a experiência trás, também compreendo que o
docente precisa formar-se para ser professor, como o faz para a
advocacia, para o exercício da judicatura ou de qualquer outra carreira
jurídica.
Até porque, o professor de Direito, ao
entrar em sua sala de aula, precisa despir a toga ou a beca, e
reconhecer-se como professor, uma realidade que contempla aspectos que
não são encontrados na prática forense cotidiana. E o diálogo existente
na relação entre professor e aluno, pouco se assemelha com a forma de
agir e se relacionar dos profissionais do Direito no seu labor
cotidiano, por isto que compreendo, que mesmo diante da loucura de
assumir uma sala de aula, o professor precisa buscar se formar para a
atividade que se propõe exercer.
É preciso então, que os professores e as
instituições de ensino superior tracem metas de formação para alcançar
os conhecimentos necessários para sua atuação na docência, senão, estará
sempre a procura de caminhos sem saber onde querem chegar. Todavia, as
palavras do Gato quando Alice se inquieta, sem saber se chegará ao seu
destino, são verdadeiras: "Oh, você pode ter certeza que vai chegar",
disse o Gato, "se você caminhar bastante."
Publicado originalmente em: http://www.parlatoriojuridico.com.br/parlatoriojuridico/pagina/38